O livro que me encantou não é nenhum Best-seller, muito pelo
contrário. Paguei R$2,00, por ele, na máquina “Pague quanto Vale” do lado de
fora da estação Barra-Funda. Sempre, sempre mesmo, todos os dias, eu dou uma
olhada nos títulos que estão à venda. Eu olho mesmo sabendo não tem autores
conhecidos e o máximo que eu posso encontrar é uma das leituras obrigatórias do
vestibular. Entretanto, numa dessas, avistei um livrinho azul, preso por uma
fita, com páginas amarelas, semelhante a um diário, que alguém perdeu por lá.
Não resisti a aquela aparência delicada, coberta por detalhes íntimos de tal
alguém, intitulado "Sobre a Neblina". Estamos em dezembro, período de chuvas com e sem aviso prévio, por
isso, é sempre bom ter um livro na bolsa, pois ninguém sabe quanto tempo vai
durar o transito. Comecei minha leitura no ônibus, e quase terminei lá mesmo.
Lúcia é uma jornalista, que sempre quis ser escritora. Sua
história se dá, quando Henrique, um fotógrafo com quem ela teve uma relação
amorosa tempestuosa, retorna em sua vida. Ele está prestes a perder a memória,
devido a uma doença, e pede a Lúcia que escreva uma biografia, na intenção de
consultá-la, quando não conseguir mais se lembrar de nada. Lúcia aceita a
proposta e começa, então, uma busca pela reconstituição daquele homem que lhe
parece um enigma.
A narrativa que conduz os fatos é o mais envolvente da
história. Vou listrar algumas frases e passagens marcantes:
“Dos meus antepassados índios, portugueses, negros,
italianos, japoneses e espanhóis herdei a indefinição, a palheta de cores
misturadas e os ângulos acentuados pelo mapa do corpo – em alguns pontos em
outros arredondados, salientes, reentrantes, o pólo norte muito distante do
pólo sul, estranhas esquinas pelos cotovelos, pés a ponto de partir, olhos a
45, visão querendo ter 360, cabeça a 180, a nostalgia de um país que não existe
e o destino de querer sempre começar algo novo em algum lugar desconhecido”.
“O ato de escrever agora será o contrário de fotografar. Um fotógrafo
pode revelar, em um minuto, um mundo inteiro. Eu terei que atravessar um vasto
mundo desconhecido para revelar um único minuto”.
“Revivendo os acontecimentos dolorosos do passado, um dia
eles passam a ser comuns”.
“Você escreve e se livra de uma cena. Eu leio e ela se
acumula. Sou agora o que você se lembrar, o que você me disser... Sua memória
será minha única forma de existir, até que eu me transforme em um pequeno ponto
final, que desconhece o parágrafo que havia antes”.
“Sua vida obscura é um convite à minha fantasia”.
Sem dúvida, há muito mais no livro, mas, agora, vou deixar por
conta da sua curiosidade.